O CCBA conversou com os artistas selecionados para o I Projeto CCBA de Artes Visuais. Saiba mais sobre os trabalhos expostos e seus autores:

A exposição Expedições Urbanas – Atualidade em Contexto, resultado do 1º Edital CCBA de Artes Visuais, é um convite para novas interpretações da realidade urbana do Recife. Os trabalhos synphonia n0 e disrupções discursivas lançam um olhar que revisita questões que estão diante de nós, mas muitas vezes passam despercebidas, desde os inexplorados sons do Capibaribe às sutis e intencionais repetições semânticas do jornalismo pernambucano. Para fomentar um debate mais profundo acerca de suas obras, o CCBA conversou com os artistas Marie Carangi, Marcela Lins e Guilherme Benzaquen.

Marie propôs um experimento sonoro, em grupo, utilizando a voz e seus amplificadores como apitos e microfones, criando situações em lugares do centro do Recife. Já Marcela e Guilherme espalharam pela cidade notícias de jornais de 1996, 2000 e 2005 sobre os aumentos das passagens de ônibus na cidade, reconstruindo a narrativa que se repete há anos em busca de justificar o aumento dos preços com melhorias que não são efetivas nem vistas pela população.A exposição está em cartaz no Centro Cultural Brasil-Alemanha e segue aberta até o dia 30 de junho.

Marcela Lins e Guilherme Benzaquen – disrupções discursivas

1. Como os aspectos midiáticos do jornalismo e análise crítica da mídiase relacionam com o trabalhode vocês, visto que Marcela estudou jornalismo?

Essa relação não foi algo que pensamos deliberadamente, não veio de ordem direta, mas a partir do momento que trabalhamos com jornais e mexemos no discurso desse jornal, a gente está sim tensionando, de certa forma, o que está sendo dito pela mídia.

2. Que mudanças foram essas no discurso do jornal?

Foram alterações baseadas em uma pesquisa de arquivo. Após lermos no arquivo da Fundação Joaquim Nabuco várias matérias sobre o aumento das passagens, decidimos quais os discursos que a gente queria dar visibilidade na exposição. Fizemos uma leitura e escolhemos 3 matérias, buscando entender o que a gente poderia de alguma forma tensionar no discurso de justificativa do aumento das passagens. Com isso, a gente acabou fazendo pequenas intervenções não identificáveis, porque a nossa ideia era que não fosse algo panfletário nem didático. Apenas deixamos os jornais nas casas, não falamos com ninguém. As alterações foram algumas vezes de uma palavra ou de legenda/título, porque as matérias já se sustentam, os problemas falam por si. Basta colocá-los sob uma luz que, sozinhos, eles já falam muito.


3. Quais as descobertas que vocês lidaram durante a pesquisa?

Uma grande coincidência que não imaginávamos que lidaríamos foi perceber como os anúncios de carro estavam presentes em todas as matérias.Todas tinham um anuncio de automóvel na mesma página. É o remédio do problema: se a passagem aumenta, melhor comprar logo um carro.

4. Houve uma ideia de construir uma narrativa?

Não houve uma grande preocupação com isso, foi um processo que mudou conforme ia acontecendo. A gente percebeu que era mais interessante uma quebra da linearidade – tanto que os jornais não chegam numa ordem anual (que seria 1996, 2000 e 2005).Não era importante uma questão cronológica ou narrativa fechando um jornal com o outro. Eles são independentes.  A articulação entre eles é o primeiro parágrafo, que se repete nos três jornais expostos. Acreditamos ser uma síntese do discurso que identificamos.

5. Os lugares em que os jornais foram deixados foram escolhidos de forma orgânica?

Sim, contemplamos na Zona Norte o Alto Santa Isabel, Alto do Mandu, Casa Forte, Encruzilhada, Campo Grande e Casa Amarela. Um pouco do Rosarinho, também. As entregas foram feitas e fotografadas em um dia, num trajeto que fomos fazendo a partir de poucas ruas mapeadas. Mas o processo acontecia de forma espontânea, quando percebíamos, por exemplo, casas inusitadas, diferentes.

6. O que vocês têm a dizer sobre essa não preocupação sobre a recepção dos jornais nas casas, já que vocês só deixaram lá? Como vocês avaliam isso?

Esse processo se tratou de uma questão para além do que pensamos com esse trabalho. Houve uma preocupação muito mais com a profusão da ideia do que em como ela chegou lá. Pensamos que as interpretações das pessoas foram muito plurais, gostamos da ideia da abertura para interpretações múltiplas, e isso envolve não controlarmos essa interpretação. Não queríamos fazer uma panfletagem contra o aumento, algo didático. Queríamos que chegasse às pessoas sem que elas soubessem de onde veio, porque esse é o funcionamento de um jornal, diferente de uma panfletagem na rua. Pensamos no jornal porque esse discurso que justifica o aumento chega sempre através dele. As pessoas estão até hoje recebendo discursos similares aos dos anos 90, com as mesmas justificativas para problemas que se repetem e continuam sem solução. Durante 20 anos temos a repetição da ideia de crise no transporte público com variações do motivo – é o surgimento do kombeiro, é o salário do cobrador, é porque tem direito trabalhista demais, ou a inflação muito alta, gasolina cara… Sempre tem um problema, uma crise de anos, mas as contas nunca foram reveladas. Até hoje não temos acesso às contas do transporte público de Pernambuco. Não se sabe quanto se lucra, o Grande Recife não divulga isso e ao mesmo tempo paga muita coisa de subsídio para as empresas que ficam com o lucro das passagens. São dados problemáticos dessa estrutura de transporte que a gente tem. 

Marie Carangi – synphonia n0

1.      Por que o Rio Capibaribe te inspirou no Expedições Urbanas?

A cidade do Recife se desenvolve toda em torno do Rio, mas esse rio hoje quase morto virou um lugar que não se acessa. Eu moro no centro do Recife, no bairro de Santo Antonio, que é uma ilha no Rio Capibaribe e todos os dias cruzo esse rio por cima das pontes. A escolha para o Expedições tem a ver com a vontade de acessar essa região do centro da cidade por baixo, sob as pontes. E a partir daí ver a cidade por outra perspectiva. 

2. O que te levou a trabalhar com o som? Já tivesse experiências com isso antes?

Venho trabalhando com som há alguns anos, em vários experimentos e aparelhos. A voz tem sido uma pesquisa recente, e um dos desdobramentos tem a ver com composições vocais movidas por alguma situação ou ambiente. Durante um “dark show” realizado por Gentil Porto, fiz um experimento vocal em travessia na Ponte de Ferro da Boa Vista, com mais de 50 pessoas participando espontaneamente à meia noite. Foi um momento maravilhoso de sentir o poder dessa vibração sonora coletiva. O barco acontece como uma mistura disso com outro trabalho que fiz em Belém do Pará, em que convidei um grupo de mulheres para uma travessia de barco com tetas. 
Nessa travessia todas fizemos vocalizações espontâneas e em alguns momentos as vozes se encontravam num coro, tudo foi editado no vídeo TETUMBANTE. Já neste barco do Expedições Urbanas misturamos outras próteses da voz (microfone de brinquedo que faz eco, apito nasal, instrumentos de cano de pvc fabricados por Marcelo Campello, uma garrafa pet adaptada por Vitor Zalma) encontrando momentos de composição durante o percurso realizado.

3. Durante a abertura da exposição, você deixou um microfone dentro da cabine cuja TV está exibindo o synphonia n0. Há algum motivo para isso?

O microfone é uma escultura que encontrei no CCBA, e ao mesmo tempo um convite (mesmo estando desligado).