Nesta terça-feira (24), o Centro Cultural Brasil-Alemanha recebeu a mesa redonda “Pernambuco: Pontos de Partida e Perspectivas Para Diálogos e Cooperação com a Alemanha”.

O evento contou com a presença do Embaixador da Alemanha no Brasil, Dr. Georg Witschel, e da Cônsul Geral da Alemanha no Recife, Sra. Maria Könning-de Siqueira Regueira. A proposta do encontro era apresentar um panorama social de Pernambuco em diferentes áreas para o Embaixador, reunindo visões de especialistas em meio ambiente, sustentabilidade, cultura e direitos humanos para que se traçasse um plano de possível cooperação entre Pernambuco e Alemanha.

Meio Ambiente e Sustentabilidade

Fátima Brayner, Dra. em Engenharia Ambiental e ex-Secretária de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, foi uma das especialistas que participou da mesa redonda. Ex-bolsista do DAAD e sócia da TGI Consultoria em Gestão, Fátima tocou nos pontos positivos do Estado, como a sua localização, o diferencial competitivo de Suape, a rica cultura e um capital humano voltado para a inovação, o que gerou uma grande diversidade de instituições voltadas para o conhecimento, como Universidades, Institutos de Pesquisa e Incubadoras de Projetos Digitais, que aumentam o número de bolsistas pernambucanos na Alemanha.

Mas ela também tocou nos pontos negativos, como os persistentes níveis de pobreza e baixa escolaridade, a postura empresarial com baixa propensão às novidades e o impacto das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar, a densidade populacional nas áreas urbanas e as áreas suscetíveis à desertificação. Fátima acredita que há possibilidade de cooperação na área ambiental devido aos importantes biomas que Pernambuco abriga: a Caatinga e a Mata Atlântica, que têm um potencial de geração de energia eólica e solar para exploração mineral. Ela ainda citou a necessidade de se repensar o uso da água em atividades econômicas do Estado, como no pólo têxtil do Agreste, onde ela participou de uma ação para diminuir resíduos despejados pelas lavanderias na água.

Em seguida, Alexandre Pires, Coordenador Geral do Centro Sabiá, falou sobre a seca e as mudanças climáticas como desafios importantes para o Estado. “Nos últimos 6 anos, vivemos a maior seca em 50 anos e nós da cidade raramente paramos para pensar sobre isso, porque não convivemos”, alertou Alexandre. O Centro Sabiá é uma ONG ligada à ASA – Articulação Semiárido Brasileiro, rede que conta com mais de mil organizações em prol de um projeto político de convivência com o semiárido através de políticas públicas.

Para Alexandre, há uma necessidade de os governos repensarem o direcionamento dos recursos naturais, revendo prioridades. Um dos problemas é o avanço do agronegócio, que promove queimadas de enorme impacto sem ação pública para revertê-lo. “Uma grande possibilidade de cooperação está no aproveitamento do potencial solar do Estado”, lembrou o Coordenador, que também pontuou a urgência em se quebrar a lógica e cultura da corrupção, permitindo assim o desenvolvimento. “Os governos tentam negar a participação de ONGs sustentáveis em decisões pontuais para o meio-ambiente”, contou Alexandre.

Direitos Humanos e Sociedade Civil

“Estou aqui principalmente como um defensor dos direitos humanos”, disse o Prof. Manoel Moraes, da pós-graduação em Ciência Política da UNICAP e ex-bolsista do DAAD. Manoel apresentou possibilidades de cooperação com a Alemanha para que o Brasil avance na justiça de transição, principalmente no que diz respeito à ditadura e aos relatórios da Comissão da Verdade.

Segundo o Dicionário de Direitos Humanos, justiça de transição é “um conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e não judiciais) e estratégias para enfrentar o legado de violência em massa do passado, atribuir responsabilidades e exigir a efetividade do direito à memória e à verdade”. De acordo com o professor, pouco se olha de verdade para as consequências da ditadura militar no país. “O Brasil sabe que existiu uma ditadura, mas não revê o que ela realmente foi”, lembrou Manoel.

A segurança pública como direito humano a ser assegurado em parceria com a população também foi um tema trazido à mesa redonda. Segundo o professor, é necessário buscar uma desmilitarização da polícia, para que esta seja bem treinada para garantir que os direitos humanos não sejam violados e para que a segurança pública deixe de ser negligenciada. “Profissionais da segurança pública vivem tensões internas devido ao sucateamento da profissão”, disse o professor, lembrando que não é raro que policiais precisem entrar em greve para garantir seus direitos. Manoel esclareceu, ainda, o estado de calamidade pública nos presídios brasileiros e a necessidade do combate à tortura, além da urgência de rever as políticas socioeducativas da Funase (Fundação de Atendimento Socioeducativo), que atualmente não respeita os direitos da criança e do adolescente e falha em caóticas tentativas de ressocialização. “Existe uma dificuldade em dialogar com grandes instituições sobre o assunto”, ressaltou o ex-bolsista.

Contextos e perspectivas para diálogos culturais

Culturalmente, Pernambuco e o Nordeste eram considerados “fechados” para o novo. Segundo Moacir dos Anjos, curador e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, este cenário começou a mudar com a globalização nos anos 90 – que, juntamente com as péssimas condições sociais geradas pelo Governo de Pernambuco nesta década, apreparou o terreno para a chegada do MangueBeat. “A força do movimento estava na possibilidade de trocas e articulações entre os jovens da época”, lembra Moacir. Para ele, estas estratégias de troca e quebra com a hegemonia trouxe bons frutos para diversas áreas da cultura, principalmente o cinema, que aproveitou este ambiente para desenvolver uma fortalecida cena no Estado. A sétima arte se firmou com tanta força em Pernambuco que influenciou na criação de políticas públicas de fomento ao cinema. Já a música resistia buscando uma posição relevante independente de políticas públicas, principalmente na criação de festivais. Mas o alerta de Dos Anjos foi para as artes visuais, que enfrentam um sucateamento desde então: os museus de arte moderna seguem sem apoio apesar da condição social propícia na cena cultural pernambucana. “É preciso reconhecer o potencial econômico e simbólico que parte de Pernambuco”, afirma o pesquisador.

Christoph Ostendorf, Diretor do CCBA, reafirmou o interesse do Centro Cultural em apoiar e se inserir na cultura de Pernambuco, lembrando contribuições anteriores ao Festival Janela Internacional de Cinema, na parceria com jornalistas locais para cobrir a Berlinale e o Festival DOK-Leipzig, além da criação do Laboratório de Performance Urbana (LAPU) do CCBA, que surgiu a partir de workshops voltados para performance e dança no Centro Cultural. Outras ações como workshops sobre música e a cobertura do Documenta (uma das maiores e importantes exposições da arte contemporânea e moderna internacional, que ocorre a cada cinco anos em Kassel, na Alemanha) foram pontuadas. Moacir ainda lembrou a importância do tema da Dcoumenta este ano, “South as a State of Mind”, ou seja, uma busca por pensar o mundo a partir do que é considerado subalterno.

Propostas do Embaixador

Atento, Dr. Georg tentava tirar o máximo de dúvidas possível (como o que era exatamente a caatinga) durante a mesa redonda. Ao final do evento, o Embaixador revelou que a Alemanha pretende convidar o governo Brasileiro para consultas de alto nível antes do mandato da chanceler Angela Merkel chegar ao fim. “Queremos traçar estratégias também com a China, Israel e outros países com concentração de parcerias em uma reunião na Alemanha”, contou o Embaixador.