Por Marina Mahmood
O KULTURFORUM aconteceu no dia 30 de maio e reuniu profissionais do audiovisual no CCBA-Recife em um caloroso debate que girou em torno da necessidade da democratização do acesso ao cinema brasileiro nos países estrangeiros, em especial, da produção cinematográfica contemporânea independente realizada em Pernambuco.
Ainda que exista a necessidade de difusão do cinema brasileiro pelo mundo e a disponibilidade de uma produção cinematográfica de qualidade feita no estado de Pernambuco, o acesso dos produtores e diretores aos grandes mercados e festivais internacionais ainda é um “lugar” de privilégio.
Segundo os integrantes do debate, existe uma série de barreiras que impedem a participação das produções brasileiras contemporâneas a esses espaços, como: a falta de recursos financeiros para arcar com a viagem (passagens áreas, hospedagem, alimentação, etc.), a barreira do idioma (pois na maioria dos mercados internacionais, as negociações são feitas através do inglês), muitas vezes a necessidade de contratação de um agente de vendas (que realiza a venda do filme para alguma produtora/festival/instituição internacional), etc.
“Quantas pessoas podem ter alguém nesses mercados e festivais para ficar falando inglês o dia todo, no intuito de vender os filmes? É um recorte elitista. “, comentou a produtora pernambucana Thaís Vidal, que recentemente participou de importantes mercados cinematográficos internacionais (espaços dedicados à venda de filmes para o mercado internacional), como a Marché du Film, que acontece durante o aclamado Festival de Cinema de Cannes, na França, e também o EFM, que acontece durante a Berlinale, Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha. Sendo que, para este último, Thaís contou com o apoio do CCBA-Recife para custear as despesas da viagem.
A produtora Nara Aragão também vem participando dos mercados internacionais e comenta que é um longo processo para construir relações nesses espaços e que, em muitos casos, não é na primeira viagem que o diretor (a) ou produtor (a) vai conseguir fechar negócios internacionalmente.
Durante a conversa, ficou evidente que ainda há certa nebulosidade quanto aos fundos de patrocínio/financiamento internacionais que existem atualmente e de que forma eles atuam. Segundo o grupo, muitos dos fundos internacionais disponíveis exigem que a verba seja gasta majoritariamente no país estrangeiro e não no país em que o filme está sendo filmado, o que dificulta e até inviabiliza a produção cinematográfica.
Os participantes apontaram que uma possível solução para fortalecer o cinema Pernambucano internacionalmente e garantir a continuidade da prática da internacionalização, seria a criação de uma instituição no estado que tivesse como propósito fazer a ponte entre as produções locais e os mercados e festivais internacionais, assim como receber profissionais estrangeiros em Pernambuco para realizar cursos, palestras, produções, etc. Como um exemplo de ponto de partida para a criação de uma instituição que atuasse na internacionalização do cinema, foram citadas as “Film Comissions”:
“ Uma film commission exerce dois papéis fundamentais: (i) o apoio logístico-operacional aos projetos filmados ou gravados em uma determinada região e (ii) a atração de produções audiovisuais para esta região. Uma film commission competente e preparada também atua como ponte entre a comunidade, os órgãos públicos e a produção, no sentido de minimizar os transtornos causados à região, ao mesmo tempo em que procura maximizar os ganhos que essa mesma região possa obter com um número crescente de produções audiovisuais. ”
Fonte: http://www.foroegeda.com/documentacion6foro/Guia-Brasil_film-comissions-LATC-eBook.pdf
Porém, atualmente, a Film Commission não atua com o envio de produções locais para os mercados e festivais no exterior. A instituição trabalha mais como uma interlocutora de produtores estrangeiros que vem ao país para a realização de produções audiovisuais.
Por isso, para a efetivação democrática da internacionalização do cinema local, seria necessária a criação de uma outra instituição que abrangesse as atuações da internacionalização como um todo: seja na desburocratização e no financiamento para a participação de produções brasileiras – principalmente produções independentes – nos mercados e festivais estrangeiros, assim como na viabilização da vinda de profissionais do audiovisual estrangeiros que pudessem realizar formações e participações nos festivais de cinema brasileiros, no incentivo à coproduções internacionais, etc.
Vale lembrar que a criação de uma instituição desse porte só seria possível com o financiamento do Governo e com o apoio de outras instituições públicas e privadas que pudessem viabilizar essa estruturação. Por isso, o grupo destacou a importância da articulação e organização dos profissionais do audiovisual no intuito de exigir políticas públicas para o setor.
O grupo pontuou também a importância de espaços de trocas de experiências, de formações e de articulações, como o próprio KULTURFORUM, para que haja o amadurecimento de pautas importantes para o audiovisual pernambucano.
Um outro ponto que dificulta a internacionalização do cinema brasileiro e que até complica a compreensão sobre o conteúdo abordado nessas produções, é a não contratação de um serviço de legendagem de qualidade. Segundo o grupo, apesar do custo relativamente baixo do serviço de legendagem, muitas produções não pensam em incluir verba para essa função. E, em muitos casos, o serviço é realizado por pessoas que não estão aptas para traduzir de forma adequada a obra para outra língua (o que interfere na compreensão dos curadores e compradores internacionais sobre a obra).
Ao final do debate, Christoph Ostendorf (diretor do CCBA-Recife), afirmou que enquanto colaborador do fortalecimento do audiovisual pernambucano, O CCBA pretende dar continuidade aos apoios para viabilizar anualmente a ida de produtores (as) ou curadores (as) do estado para a Berlinale (Festival Internacional de Cinema de Berlim) e para o DOKLeipzig (Festival Internacional de Documentário e Animação de Leipzig).
Christoph afirmou também que o centro pretende apoiar pontualmente o serviço de legendagem de filmes, assim como realizar eventualmente formações e debates que tragam a temática dos financiamentos para o audiovisual. E colocou-se à disposição para sondar perspectivas para possíveis financiamentos no setor, com os seus parceiros alemães e europeus.
EXPERIÊNCIAS NA BERLINALE (Festival Internacional de Cinema de Berlim)
Durante a conversa, Lorenna Rocha (crítica cultural, curadora e pesquisadora) compartilhou um pouco de sua experiência no Berlinale Talents, programa de desenvolvimento de talentos do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Lorenna participou da formação de crítica cinematográfica do programa e contou que teve algumas dificuldades quanto à maneira como o processo foi conduzido:
Segundo ela, apesar da formação ser um campo de interseções de áreas, os participantes do programa ficavam muito presos e não conseguiram acompanhar o festival ou até mesmo conhecer melhor um ao outro. Também discordou da maneira como sua mentora do programa queria conduzir a sua escrita crítica cinematográfica:
“É uma perspectiva de crítica cinematográfica que é enquadrada em um formato específico, num texto de caráter muito jornalístico. E a minha escrita é outra, escrevo sobre cinema independente brasileiro e não costumo enquadrar meus textos a esses padrões”, comentou Lorenna.
Segundo a pesquisadora, nesses espaços, ainda existe uma lacuna vazia de entendimento sobre a riqueza e a diversidade do cinema brasileiro independente. Muitas produções contemporâneas brasileiras não conseguem ocupar esses locais e o que chega para “os olhos” do mercado internacional é muito pouco diante do que é produzido no Brasil.
Lorenna comentou também que as discussões no cinema brasileiro são de uma complexidade e aprofundamento diferenciados dos debates nos festivais de cinema europeus quando dizem respeito às questões sobre representatividade, questões de gênero, racismo, etc. Ela comenta que há uma diferença geográfica-cultural muito evidente entre o Sul global e a Europa e que isso repercute na forma como os festivais são estruturados. No Brasil, essas pautas mostram-se de maneira mais complexa e aprofundada, devido também à própria história de colonização no país e à todas as problemáticas que foram geradas a partir disso, segundo Lorenna.
“ Há uma tentativa de enquadramento desses festivais internacionais de dar conta de demandas de representatividade, questões de gênero, ambientais e em relação à imigração, mas os filmes e os debates aparecem de forma muito insipiente, no sentido de que parece ainda ter que haver muito chão para produzir um pensamento crítico agudo sobre essas questões. No fundo, a minha sensação é que esses temas lá estavam para cumprir uma agenda e não necessariamente por um largo interesse de discutir a fundo essas questões naquele território global.”, diz Lorenna.
“Os debates dos quais participei durante o Janela Internacional de Cinema do Recife me impactaram muito mais e foram muito mais profundos do que os da Berlinale”, finalizou Lorenna, deixando evidente que mesmo se tratando de grandes festivais mundiais, ainda há um longo processo para que produções independentes brasileiras cheguem mais nesses espaços e para que as pautas de representatividade no cinema se ampliem e mostrem-se de forma mais consistente em grandes mercados e festivais internacionais. Um ponta a pé inicial seria a criação de políticas públicas que viabilizassem a participação mais democrática de produções cinematográficas nesses espaços.